Este conto originalmente publicado em 1853, no jornal O Portuense, em que Camilo colaborou regularmente até 1854. Coisas Que Só Eu Sei começa com uma noite de Carnaval e duas pessoas, fantasiadas de dominó, encontram-se no clube. Um de cetim e outro de veludo. A mulher identifica o cetim – chama-o Carlos. Ela conhece-o, porém ele, não fazia ideia de quem se escondia por de trás da fantasia de veludo. Após um breve diálogo, o cetim é conduzido pela misteriosa dama até um camarote onde uma estranha conversa começou a ser esgrimida com uma jovem chamada Laura. Através do diálogo percebe-se que existe um segredo entre as duas senhoras, algo que envolve o passado de ambas. Ao lado do veludo, Carlos ouviu toda a conversa, e percebeu que a mulher fantasiada de dominó chamava-se Henriqueta, e Laura, noutros tempos chamou-se Elisa.

O homem de talento é sempre um mau homem. Alguns conheço eu que o mundo proclama virtuosos e sábios. Deixá-los proclamar. O talento não é sabedoria. Sabedoria é o trabalho incessante do espírito sobra a ciência. O talento é a vibração convulsiva de espírito, a originalidade inventiva e rebelde à autoridade, a viagem extática pelas regiões incógnitas da ideia. Agostinho, Fénelon, Madame de Staël e Bentham são sabedorias. Lutero, Ninon de Lenclos, Voltaire e Byron são talentos. Compara as vicissitudes dessas duas mulheres e os serviços prestados à humanidade por esses homens, e terás encontrado o antagonismo social em que lutem o talento com a sabedoria. Porque é mau o homem de talento ? Essa bela flor porque tem no seio um espinho envenenado ? Essa esplêndida taça de brilhantes e ouro porque é que contém o fel, que abrasa os lábios de quem a toca ? Aqui tens um tema para trabalhos superiores à cabeça de uma mulher, ainda mesmo reforçada por duas dúzias de cabeças académicas ! Lembra-me ouvir dizer a um doido que sofria por ter talento. Pedi-lhe as circunstâncias do seu martírio sublime, e respondeu-me o seguinte com a mais profunda convicção, e a mais tocante solenidade filosófica : os talentos são raros, e os estúpidos são muitos. Os estúpidos guerreiam barbaramente o talento: são os vândalos do mundo espiritual. O talento não tem partido nesta peleja desigual. Foge, dispara na retirada um tiroteio de sarcasmos pungentes, e, por fim, isola-se, segrega-se do contacto do mundo, e curte em silêncio aquele fel de vingança, que, mais cedo ou mais tarde, cospe na cara de algum inimigo, que encontra desviado do corpo do exército.

Camilo Castelo Branco 🇵🇹 (1825-1890) foi um dos maiores escritores portugueses do século XIX. Amor de Perdição foi sua novela mais importante. Suas novelas passionais fazem do escritor o representante típico do Ultra Romantismo em Portugal. Foi um dos primeiros escritores portugueses a viver exclusivamente do que escrevia. Recebeu o título de Visconde concedido pelo rei de Portugal, D. Luís I.