Formas de volver a casa foi lançado no Chile em 2013 e é o terceiro livro de Zambra. No Brasil, a edição da Cosac Naify tem uma impressão convidativa, em papel texturizado formando um padrão meio labiríntico. A compra foi na Feira do Livro da USP, em 2015.

“Voltamos para casa e é como se regressássemos de uma guerra, mas de uma guerra que não terminou.”

A primeira coisa deste livro que me chamou a atenção foi o título. Qualquer pessoa que já tenha se perdido ou se afastado de casa por alguma razão sabe como pode ser difícil encontrar um caminho de retorno. Não se esquece a angústia do ‘não se ter para onde ir’, mas neste caso é o medo de não saber regressar que torna o caminho de volta à casa impossível.

“Há momentos em que não podemos, não sabemos nos perder.”

E foi justamente a busca por um trajeto que me levou a revisitar o Chile de 1985, quando um terremoto colocou o personagem principal, ainda menino, em contato com o conflito do romance. Um romance próprio, com formatos autorais, permeado de sinceros relatos da dificuldade de se encontrar de volta, de ver a si mesmo.

“Pensava que estar sozinho era uma espécie de castigo ou de doença.”

A narrativa se dá em duas partes: o passado, que o protagonista tenta recuperar para concluir um livro que está escrevendo no presente. Para compreender acontecimentos imprecisos de sua vida, ele percorre um melancólico e dolorido caminho de volta na tentativa de escrever sua própria história.

“Aprender a contar sua história como se não doesse.”

Como Alejandro Zambra é também professor de literatura e confessa na voz do personagem suas aflições literárias. Fica fácil relacionar a estruturação ao tom e ao ritmo empregados em Formas de Voltar Para Casa. Durante a leitura, às vezes, senti que este era um livro tipo-diário, escrito por um escritor para quem escreve, uma história contada ao acaso, como um relato literário em livro, mas desabafado da obrigação de ser metaliteratura, ainda que estruturada, seletiva e emocionada.

“Ler é cobrir a cara. E escrever é mostrá-la.”

Como se o autor ainda estivesse cansado do caminho percorrido, também me foi impossível não registrar um leve aborrecimento com o sempre-presente background político. Apesar da perspectiva “ilegítima” dos filhos que, em tese, deveria despertar meu interesse.

“Abandonamos um livro quando compreendemos que não era para nós.”

E se as questões políticas do tempo Pinochet hoje já estão resolvidas, o mesmo não acontece com a vida comum, a que se vive em casa, na intimidade quotidiana, e da qual se formam memórias por vezes incompreensíveis para os chilenos. O íntimo das personagens diante do horror da ditadura é o tema central.

“Por isso, um livro é sempre o reverso de outro livro imenso e estranho.
Um livro ilegível e genuíno que traduzimos, que traímos pelo hábito de uma prosa passável.”

Em certo ponto, o narrador chega à conclusão de que ninguém fala pelos outros, e que mesmo que queiramos contar histórias alheias, sempre acabamos contando a nossa história.

“É melhor não ser personagem de ninguém, digo. É melhor não aparecer em nenhum livro.”

Porém, mais que um livro sobre a ditadura, este é um livro sobre o lugar de origem, sobre Santiago dos anos oitenta, sobre pais e filhos, sobre o processo que enfrentamos quando tentamos buscar sentido no passado. Um livro sobre a infância, sobretudo, porque para o autor ditadura e infância sempre coincidiram. Não seria possível falar de uma sem falar da outra.

“O passado nunca deixa de doer, mas podemos ajudá-lo a encontrar um lugar diferente.”

Às vezes parece que o personagem viveu suspenso, como se estivesse esperando a história dos próprios pais e de toda uma geração superar a violência, que age das maneiras mais diversas possíveis. Também gostei muito das referências de Flaubert, Kawabata, Natália Ginzburg… E, em especial, uma poesia linda do próprio Zambra, na parte final do livro.

“Não deveríamos odiar a pessoa que nos ensinou, bem ou mal, a ler.”

O livro parece dizer mais do que realmente diz, muito embora na maioria das vezes eu não tenha sabido especificar o quê. Existem diversos motivos para se voltar para casa, inclusive para se voltar para a casa dos pais. Enquanto se é criança, saber voltar para casa é uma demonstração de maturidade necessária para se perceber um de sua própria vida; já enquanto adulto, voltar para a casa é um gesto humilde. Quando o narrador confronta o pai sobre seus ideais políticos podemos ver como  a volta a casa e ao passado pode ser dolorosa, e ao mesmo tempo como é necessário, pois voltar para casa é se redimir.

“Os pais abandonam os filhos.
Os filhos abandonam os pais.
Os pais protegem ou desprotegem, mas sempre desprotegem.
Os filhos ficam ou partem, mas sempre partem.”


Alejandro Zambra 🇨🇱 (1975-) é um escritor nascido em Santiago de Chile. Seus romances foram traduzidos para vinte idiomas e suas histórias apareceram em revistas como The New Yorker, The Paris Review, Granta e Harper’s. Foi bolsista da New York Public Library e recebeu, entre outras distinções, o English Pen Award, pela edição em inglês de Ways to return home, e o Prince Claus Award, na Holanda, por seu trabalho como um todo. Atualmente vive na Cidade do México. Livros: Bonsái (2006), La vida privada de los árboles (2007), Formas de volver a casa (2011), Poeta chileno (2020).