Título-chave no contexto surrealista e narrativa mais importante de André Breton, formando uma trinca com Les vases communicants (1932) e L’amour fou (1937), este romance, escrito em 1928, encena o encontro entre realidade e fantasia, característica desta vanguarda. Nos arredores de Paris, pobremente vestida, uma mulher caminha sem rumo certo: “Vai de cabeça erguida, ao contrário de todos os passantes. Tão frágil que mal toca o solo ao pisar. Um sorriso imperceptível erra talvez em seu rosto”. Este é o primeiro encontro do personagem-narrador-autor de Nadja, com a mulher que empresta o nome ao livro. Os encontros se repetirão, entre a casualidade e a necessidade, por cerca de dez dias.

Nadja logo se firmará como uma das grandes obras do surrealismo europeu, capaz de confundir os limites entre vida e literatura, ao passo que a personagem homônima também se eterniza a partir da obra. Houve de fato uma Nadja na vida de André Breton, como provam as cartas da época: ela se chamava Léona Delcourt e nasceu em 1902 nos arredores de Lille. Léona viajou na juventude para Paris, onde trabalhou como balconista, dançarina e prostituta. Em algum momento dos anos 1920, o acaso, tão ao gosto surrealista, a aproxima de André Breton.

“André? André?… Você vai escrever um romance sobre mim. Garanto.
Veja só: tudo se esvai, tudo desaparece. É preciso que reste algo de nós (…)”.

Poucos dias depois, Nadja sai de cena e, no romance, torna-se menos presença que recordação. O narrador revela que foi internada após distúrbios no hotel onde morava. A partir daí o contato se rompe, perdemos o rastro de Nadja e resta a evocação de André:

“Já que existes, como só tu sabes existir, talvez não fosse necessário que este livro existisse”.

Recentemente, a escritora holandesa Hester Albach investigou a história de Nadja. A busca teve como resultado o livro Léona, heroína do surrealismo, publicado em 2009 e sem tradução para o português. No romance de 1926, André entrega a Nadja dois livros: Os passos perdidos e o Manifesto do surrealismo. Nadja observa os dois sobre a mesa e questiona: Os passos perdidos? Mas não existe passo perdido”. Passos que são, ao mesmo tempo, o passo errante da Nadja de Breton e o de Léona Delcourt.

Num local frequentado por prostitutas e cartomantes, o narrador mergulha na convivência efêmera e tumultuada com a personagem-título, em meio ao labirinto urbano parisiense. Nadja, uma encarnação contemporânea do enigma e do mito, representa o princípio de liberdade em forma feminina e uma porta para além da banalidade. A atmosfera onírica registra os fragmentos do dia-a-dia em imagens produzidas a partir de destroços da realidade imediata, que buscam a correspondência dos objetos cotidianos com o mundo interior.


Algumas outras edições

Na capa deste post, usamos a edição francesa da Gallimard. As três edições brasileiras têm tradução de Ivo Barroso, apresentação de Eliane Robert Moraes, além de fortuna crítica, incluindo ensaios de Walter Benjamin e Maurice Blanchot, e bibliografia específica.

“(…) the idea that freedom, acquired here on earth at the price of a thousand — and the most difficult — renunciations, must be enjoyed as unrestrictedly as it is granted, without pragmatic considerations of any sorte, and this because human emancipation — conceived finally in its simplest revolutionary form, which is no less than human emancipation in every respect, by which I mean, according to the means at every man’s disposal – remains the only cause worth serving. Nadja was born to serve it (…)”