tag . Enrique Vila-Matas

A viagem vertical

Enrique Vila-Matas

Existe a viagem circular, a do regresso ao lugar de origem descrita na Odisseia. Mas existe também a viagem sem regresso, a odisseia retilínea e sem Ítaca que transforma um indivíduo que já não regressa a casa. Neste segundo registo deve incluir-se a original modalidade da viagem vertical, que é aquela que empreende o protagonista deste romance, no plano geográfico e no plano vital. Um dia depois de celebrar as suas bodas de ouro, Federico Mayol, homem de negócios, aficionado de póquer e nacionalista catalão, vê-se obrigado pela sua mulher, de forma surpreendente e absurda, a deixar para sempre o domicílio conjugal. Como sempre em Vila-Matas, pululam aqui os fantasmas da velhice, da solidão e da loucura, cintilando o dilema entre a sobrevivência e o suicídio. Este é um romance atlântico — uma viagem vertical com passagens por Barcelona, Porto, Lisboa e Madeira — mas também uma história de iniciação à cultura e um clássico romance de aprendizagem, não fosse o facto de o seu protagonista ter uma idade em que, geralmente, já ninguém aprende nada. No epicentro do livro está o drama de uma geração de espanhóis que, por causa da guerra civil e dos anos de barbárie que se lhe seguiram, viu truncadas a sua formação cultural e as liberdades republicanas.

“Se o temporal de chuva e vento, esse temporal que me parece não tarda a reaparecer, arrasasse toda Barcelona, seria contudo uma catástrofe menor do que a minha vida suporta ultimamente”

“Estudou e viu exposições e çeu centenas de livros, mas a realidade me diz que jamais aprendeu nada.”

“não esquecer que ir embora não é uma desgraça, mas exatamente o contrário.”

“Desde sempre os homens têm ouvido vozes que os impelem a partir, dizendo-lhes que será por pouco tempo ou talvez para não voltar jamais.”

“(…) a única saída para sua vida era praticar tanto a arte da solidão quanto a de caminhar.”

“o que devo fazer é me preparar para aprender o que a vida realmente é quando ela se apaga e chega a hora da descida definitiva.”

“Nossa memória não é mais do que o conjunto de estilhaços de uma barca quebrada – a unidade de nosso mundo e do que se viveu.”

“Como tantas vezes na vida, há sempre um segundo drama oculto – muito mais sério do que o primeiro – escondido por trás da tragédia mais óbvia, mais visível.”

“Viajar é, sobretudo, um clima, um estar a sós, um estado discretíssimo de melancolia e solidão.”

“O homem percebia que em sua mente, fazia meses, tinha ficado aberta, poderosa, dramática, envolvente, a abóbada do horror.”

“dedicava-me exclusivamente a ler, ler muito e praticar a saudade…”

“Há alguma coisa de infantil no ato de voar, que é algo muito sério mas também com uma ponta infantil.”

“Quando você viaja com alguém, sempre tende a olhar para o que o rodeia com estranhamento, enquanto, quando viaja sozinho, o estranho é sempre você.”

“a história de sua errância portuguesa”

“Era fantástico perceber que afundava, talvez porque pela primeira vez em sua vida sabia ao menos para onde se dirigia, estava muito claro, não fazia senão ver uma imagem muito concreta de si mesmo descendo em posição radicalmente vertical para o mais absoluto vazio, a caminho do completo afundamento.”

“nada tinha importância se nos déssemos ao trabalho de olhar bem para o mundo.”

“existiam três tipos de seres humanos: os vivos, os mortos e os marinheiros.”

“as uvas do mar / o sol dos desterrados / não é tanto uma viagem mas uma descida, peregrinação ao fundo de si mesmo / nunca poderemos ver Ítaca / espumas exaustas / o coração das trevas / os camarotes da morte”

“As náiades falavam uma língua franca e fumavam muitíssimo; fumavam deitadas na relva, olhando para o alto, para o céu, e viviam às vezes numa espécie de êxtase que as conectava com uma ideia, tão nítida quanto angustiante, de infinito.”

“nosso futuro é inescrutável e que os caminhos da vida traçam desenhos estranhos.”

“uma atmosfera de incomunicabilidade.”

“escrever significa transformar a vida em passado”


Enrique Vila-Matas 🇪🇸 (1948-) é um premiado escritor catalão, nascido em Barcelona. As suas obras são uma mescla de ensaio, crónica jornalística e novela. A sua literatura, fragmentária e irónica, dilui os limites entre a ficção e a realidade. Em 1968 foi viver em Paris, autoexilado do governo de Franco e à procura de maior liberdade criativa. 

Doutor Pasavento

Enrique Vila-Matas

“De onde vem a sua paixão por desaparecer?”

Neste que é o sexto livro de Enrique Vila-Matas, autor catalão traduzido por José Geraldo Couto e publicado no Brasil pela Cosac Naify, vemos a sua fixação por desaparecer, não ser ninguém, a atração pelo abismo, pelo nada, ser explorada de maneira radical. Na trama, encontramos Andrés Pasavento em um momento de instabilidade emocional: abandonado pela esposa, perdeu a filha de 15 anos e os pais, que se suicidaram no Rio Hudson. O personagem, um romancista medianamente conhecido, acaba de ser convidado para um encontro literário, em Sevilha, mas no meio do percurso decide sumir, desaparecer da vista dos conhecidos. Ele passa a inventar relatos ficcionais sobre seu passado ao mesmo tempo que persegue os rastros do autor suíço Robert Walser (1878-1956) que viveu o resto de seus dias num manicômio, onde escreveu microtextos, sem nunca publicá-los. “a mais obscura das estrelas da literatura”.

O livro está dividido em quatro partes:

I – O desaparecimento do sujeito
II – O que se dá por desaparecido
III – O mito do desaparecimento
IV – Escrever para se ausentar

“E eu, com quem me pareço? Certamente tenho algo de equilibrista que, numa alameda do fim do mundo, está caminhando pela beira do abismo. E acho que me movo como um explorador que avança no vazio. Não sei, trabalho em meio a trevas e tudo é misterioso. Só sei que me fascina escrever sobre o mistério de que exista o mistério da existência do mundo, porque adoro a aventura que há em todo texto que se põe em marcha, porque adoro o abismo, o próprio mistério, e adoro, sobretudo, essa linha de sombra que, ao ser atravessada, nos coloca no território do desconhecido, um espaço em que de repente tudo nos parece muito estranho, sobretudo quando vemos que, como se estivéssemos no estágio infantil da linguagem, temos que voltar a aprender tudo, com a diferença de que, quando crianças, parecia que podíamos estudar e entender qualquer coisa, enquanto que, na idade da linha de sombra, vemos que o bosque de nossas dúvidas nunca se tornará claro e que, além disso, o que vamos encontrar a partir de então serão apenas sombras e trevas e muitas perguntas.”

Solidão, loucura, silêncio, liberdade.

A aparição midiática do escritor é a antítese da essência de seu ofício.

“Se uma pessoa busca o sucesso, só tem dois caminhos, ou o consegue ou não o consegue, e ambos são igualmente ignomniosos” — Imre Kértesz

“Todos esses mortos ao nosso redor, onde sepultá-los senão na linguagem?” – Adonis

“gente que se veste com as roupas do amanhã e as acha apertadas.”

“noções de utopia, catástrofe e vazio metafísico, conceitos fundamentais para compreender a Europa Central.” (p. 51) – Barthes falava da utopia de um mundo que estivesse “isento de sentido”, de um mundo em que se pudesse viver com a ausência de todo signo. 

“Ignoro se a música sabe desesperar da música e o mármore do mármore, mas a literatura é uma arte que sabe profetizar aquele tempo em que já terá emudecido, e encerniçar-se com a própria virtude e enamorar-se da própria dissolução e cortejar seu fim.” – Borges

“O que não é estranho, é invisível” – Paul Valéry

“desaparecer completamente era tarefa para titãs que ainda não haviam nascido.”

“não entendemos nada das ruínas até o dia em que nós mesmo nos convertemos nelas”

“A verdade é que a vida continua igual. Mas sem mim.”

“… ver meu novo eu convertido num simples escombro neuroquímico”

sentimento refinado de mal-estar / tendência irrefreável a me mover nas regiões inferiores / o desespero de quem já nada espera / deslizamento rumo ao silêncio / um estado de desengonçada ansiedade / ânsias de subelevação e de escândalo / um erro cósmico / tema do desconcerto / eclipse do sentido / um tipo de verdade indefinida

“Depois de tudo, se hoje tenho alguma certeza, é a de que há uma grande injustiça no trabalho artístico. Escreve-se com a angústia de se ver desonrado por uma obra fracassada. O fracasso de uma obra supõe uma grande vergonha pessoal, porque o sujeito não pôde demonstrar nem sua inteligência nem seu talento. Ainda por cima o sujeito fica como um vulgar ambicioso, um arrivista de meia-tigela. A angústia domina, portanto, a realização da obra artística, mas o pior não é isso, o pior não é quando vem o fracasso, mas sim quando a obra resulta mais ou menos bem-sucedida e consegue aplausos e, mesmo assim, não se obtém de tudo isso nem sequer uma satisfação íntima. É que, na verdade, não há nada ali no reconhecimento, nada. Uma obra de sucesso vive sua própria vida, existe em alguma parte, à margem, e pouco pode fazer pela vida de seu autor.”

“a dor mais intensa não era a da infelicidade, mas a incapacidade de tender para a felicidade.”

“…no mundo de hoje, o único lugar que restava a um verdadeiro poeta era o manicômio.”

“os manicômios, segundo Canetti, são os conventos de nossa época.”

“Um ser dissociado da vida comum, destilando em solidão uma literatura originalíssima.”

“Um amante dos escritores de rostos secretos e da discrição na literatura.”

“…um precário Frankenstein das lembranças, isto é, quando era um quebra-cabeças de diversas memórias pessoais que conviviam entre si…”

“sabia que os supostos enlouquecimentos de personagens como Hölderlin, Nietzsche, Artaud ou Walser não eram enlouquecimentos, mas antes extravagantes discursos literários que escolheram um modo pouco comum, e provavelmente mais lúcido, de se comunicarem.”

“Tenho uma doença mental difícil de definir. Ao que parece é incurável, mas não me impede de pensar no que me apraz, de ser amável com as pessoas ou desfrutar as coisas, como uma boa comida, por exemplo. Aqui, diante da cidade, como um baluarte, escrevi uma nova série de poemas. Pensei na beleza da palavra “baluarte”.”

“…em seu perpétuo movimento, falava da errância fúnebre na qual viajam os nomes.”

“O doutor em psiquiatria que ficou encolhido e depois adormecido naquela cama de hotel tinha quatro pais, oito avós, duas infâncias, duas juventudes e duas idades maduras, dois pais afogados, um casamento falido, uma filha morta, um passaporte, um urso babão no interior de si mesmo, uma tripla identidade que era uma carga pesadíssima, uma só escrita (privada), nenhum amor nem alegria alguma, ou talvez só uma, essa escrita privada que afirmava a beleza de sua infelicidade.”

“…um desses dias preguiçosos e aparentemente inúteis nos quais nossas convicções mais estritas se relaxam e se convertem numa agradável indiferença.”

“o mito do desaparecimento não funciona se não estiver acompanhado pela ideia de um reaparecimento…”

LOUCURA
Não estou aqui para escrever, mas para enlouquecer.

“uma obra indefinidamente dilatável, elástica, desprovida de esqueleto”

“Quase sem me dar conta, eu viera me aproximando – diria até que fisiscamente – pouco a pouco dele. Havia me aproximado por meio de sua lenda e da leitura de seus livros, mas também me aproximara – de forma quase imperceptível para mim mesmo – de seu pa+is, de suas paisagens e finalmente do próprio homem,”

“Há dias em que é seu ser como carros fúnebres que vão a toda parte menos ao cemitério. E outros nos quais o que é seu são textos, ensaios errantes, microgramas, furtivas conversações com um botão, ilusórios papeizinhos, pequena prosa, tentativas de escrever para se ausentar, cigarros efêmeros e coisas do gênero.”

“…escolhi me mover mais um pouco nas trevas, como se esta fosse uma estrada ou trilha escura que se oferecia a mim através da dúvida.”

“Duvidar é escrever” – Marguerite Duras

“Há algo mais alegre que a fé num deus doméstico?”

“Um escritor que não escreve é, de fato, um mosntro rondando a loucura.” – Franz Kafka

“Não é culpa minha que Deus exista. (…) Do modo como Deus nos tratou, vê-se muito bem que é um homem.”

“O penoso do sucesso é que ele sempre é tirado do outro. Só podem gozá-lo os inconscientes, as mentes obtusas que não entendem que entre os frustrados sempre há seres superiores a eles.”

“… os outros nos obrigam sempre a ser como eles nos veem ou como querem nos ver. Nesse sentido, a presença ou companhia dos outros é perniciosa, reprime a plena liberdade de que deveríamos dispor para nos construirmos uma personalidade e uma identidade adequada a nossa forma de ver a nós mesmos. Pensar que somos o que cremos ser é uma das formas da felicidade. Mas aí estão sempre os outros para nos ver de outra maneira e nos impedir a construção de nossa felicidade iludida e, junto com isso, a construção de nossa personalidade favorita, muitas vezes mais complexa, por certo, que a de um personagem de ficção.”

“Estive por um longo tempo absorto nessa manobra, que consistia em ir da luz à sombra e vice-versa.”

“Não somos daqui. E só a literatura parece se ocupar com seriedade de nosso espanto.”

isso que está tão abaixo da nossa dignidade acaba por ser nosso destino” 

“Passei o dia pensando em minha filha Nora. Na realidade, nunca pude me acostumar à ideia de sua morte. Na realidade Nora foi desde então o eixo central da minha vida atormentada. Ainda que silenciosamente, sua morte foi o que mais contribuiu para o meu afastamento do mundo. (…) O pior dia da minha vida. Ninguém sabia o caminho do cemitério.”

“Sempre quis ser escritor para explicar que, embora não entendamos nada, a literatura dá sentido a tudo.”

“Eu me contradigo? Muito bem, me contradigo” – Walt Whitman, considerava que agir assim era um estimulante sintoma de que o sujeito é amplo e contém multidões. Para o aforista estaduniense Yogi Berra, era chegar a uma bifurcação no caminho e tomar as duas direções. Para o gato de Schrodinger era o paradoxo quântico de estar vivo e morto ao mesmo tempo.”

“(…) a escrita não é senão uma longa e lenta aprendizagem.”

“na busca das causas da tragédia que alcança a todos, Kafka sempre acabava descobrindo que, por trás de tanta miséria e desgraça, se encontrava uma grande organização

“pensassem o que pensassem os demais, para mim ficava cada vez mais evidente que havia no mundo uma rede de coincidências que não eram casualidades, mas antes levavam à suspeita de que em algum lugar e havia uma relação que, de quando em quando, cintilava entre um tecido esgarçado.”

“a tensão metafísica em que vive o homem moderno quando vê que é tão impossível crer em Deus como viver sem ele.”

“A realidade me perturba, se intromete”

“Também com a lembrança de uma filha se podem queimar os navios.”

“Não aspiro a ser o autor de mais nada, só o responsável por uns quantos papéis de deverão ser chamados papeizinhos da solidão.”


Enrique Vila-Matas 🇪🇸 (1948-) é um premiado escritor catalão, nascido em Barcelona. As suas obras são uma mescla de ensaio, crónica jornalística e novela. A sua literatura, fragmentária e irónica, dilui os limites entre a ficção e a realidade. Em 1968 foi viver em Paris, autoexilado do governo de Franco e à procura de maior liberdade criativa. 

Não há lugar para a lógica em Kassel

Enrique Vila-Matas

Não há lugar para a lógica em Kassel é, na definição do próprio autor, uma “reportagem romanceada” sobre sua participação na dOCUMENTA (13). Muito mais do que um simples relato de como transcorreram seus dias na Alemanha, o livro se revela uma grande reflexão sobre a literatura e a arte contemporâneas, vistas a partir da crise econômica na Europa e em confronto com ela, afinal “qualquer atividade ligada à vanguarda”, observa, “nunca deveria perder de vista o lado político”.

O livro se passa durante a dOCUMENTA, na cidade alemã de Kassel, ocorrida no ano de 2012. No texto, acompanhamos o primeiro contato realizado pela assistente da curadora que convida o autor para uma viagem financiada por milionários a pretexto de que o mesmo pudesse conhecer “os mistérios do Universo”.

Fridericianum

Arranja-se uma palestra que autor se propõe a ministra no seu último dia, intitulada “Conferência sem ninguém”. E as atividades para as quais Vila-Matas fora convidado compreendiam, entre outras coisas, que ele permanecesse em um restaurante chinês,  escrevendo e atendendo seus possíveis e aleatórios interessados.

Através da leitura, percorremos as ruas, bosques e os patrimônios arquitetônicos de Kassel, cidade que inspirou os irmãos Grimm a escreverem boa parte dos seus mais conhecidos contos-de-fada.  Aos estudantes de Arte, a experiência narrada sobre obra de Pierre Huyghe, – que consiste num jardim mal cuidado em cujo centro está uma escultura feminina com uma colméia na cabeça, fazendo paisagem a montes de terra pelos quais um um galgo branco passeia tranquilamente, sem notar que uma de suas patas está  pintada de rosa – , pode ser ótimo exemplo de um texto crítico  feito por alguém que não tem formação na área, mas que a partir da própria experiência, cunha argumentos tão precisos que  mesmo o crítico de arte mais especializado não ousaria questionar.

Untilled (2012), do artista francês Pierre Huygue

Colapso e Recuperação é o eixo curatorial da 12ª edição da Documenta, sensações que escritor diz sentir no próprio corpo, pois, segundo ele, ao longo de todo o evento, se mostrou “disposto pelas manhãs, cansado à tarde e totalmente angustiado” ao cair noite.  Acontece que o livro inteiro é uma grande viagem ao mundo das Artes, fomentado pelo amplo conhecimento que o Vila-Matas tem sobre literatura.

galgo espanhol, o cão “midiático”

De linguagem simples, até mesmo conceitos como “vanguarda” ou a relação que o perfume usado pela esposa de um ditador tem a ver com a Guerra, são digeridos pelo escritor para imprimir no texto uma narrativa absorvente, mesmo que cheia de informações. Não é difícil avançar as páginas e  compreender as referências literárias e filosóficas que estão por detrás do acervo simbólico do autor, revelando a imensa perícia cognitiva e a generosidade do escritor ao compartilhar um pouco de suas experimentações, mesmo as inventadas, com quem o lê.

 

o restaurante chinês Dschinghis Khan, em Kassel

 

o autor Enrique Vila-Matas durante a instalação, 2012


mcguffins: clichê


Vila-Matas sai de Barcelona, onde mora, disposto a abandonar “os clássicos tiques fatalistas dos intelectuais” de seu país, que acreditam ser a arte contemporânea “um desastre absoluto”. Diante das obras expostas na Documenta 13, sobretudo aquelas que mais o tocaram – como Untilled, de Pierre Huyghe, uma esterqueira montada em pleno parque, e This variation, de Tino Sehgal, que ele visitava todas as manhãs –, Vila-Matas percebe que não foi a arte que entrou em colapso, mas o mundo. É exemplar dessa percepção a cena em que Carolyn Christov-Bakargiev, uma das curadoras da Documenta, lhe pergunta o que estava achando da mostra. À questão, que o pega de surpresa, Vila-Matas responde: “Que não há mundo”. Mas, se não há mundo, há ainda arte. Frente a uma Europa destroçada pela crise, frente a um mundo arruinado, não sobra nada mais ao escritor e ao artista do que criar: “A Europa estava morta […], mas a arte do mundo estava muito viva, era a única janela aberta que restava”. Ou seja, contrariando as vozes agourentas dos intelectuais de seu país, Vila-Matas chega à conclusão de que não é a arte que está em crise, mas, sim, todo o resto: “eu acreditava que a arte continuava perfeitamente de pé e, em todo caso, era apenas o mundo […] o que havia desmoronado”. Porém, ao contrário do que se poderia depreender, Vila-Matas acredita que não é com pessimismo ou desconsolo que o artista deve encarar essa confrontação com a crise política e econômica, mas com “alegria”. Talvez nela, e somente nela, propõe ele, se encontre “o núcleo central de toda criação”.

Veronica Stigger

 

O cinema Gloria, com sua fachada retrô também ganha atenção.

 

 

 

 

 

 


Criado e concebido para a dOCUMENTA (13), Doing Nothing Garden (2010-2012) foi removido quando a exposição terminou. Tendo sido feito de materiais reciclados, ele completou sua vida sendo reciclado. O que resta, no entanto, é a força de sua mensagem. Através de nossas memórias e reflexões, a obra pode continuar a oferecer maneiras de pensar sobre como nós – como uma espécie, como sociedades e como indivíduos – podemos nos renovar, nossas circunstâncias e nossos ambientes ao não agir – sem fazer nada, não esforçando-se para cumprir nossos potenciais ou para evitar os desastres ameaçados por todos os nossos comportamentos que satisfazem o potencial.

Doing Nothing Garden, de Song Dong


 

“Kassel no invita a la lógica, de Enrique Vila-Matas” por Patricia Gutiérrez


Enrique Vila-Matas 🇪🇸 (1948-) é um premiado escritor catalão, nascido em Barcelona. As suas obras são uma mescla de ensaio, crónica jornalística e novela. A sua literatura, fragmentária e irónica, dilui os limites entre a ficção e a realidade. Em 1968 foi viver em Paris, autoexilado do governo de Franco e à procura de maior liberdade criativa.