CASA DA MISERICÓRDIA

O pai fuzilado.
Ou, como diz o juiz, executado.
A mãe, a miséria e a fome.
a instância que alguém lhe escreve à máquina:
Saludo al vencedor, Segundo Año Triunfal,
Solicito a Vuecencia deixar os filhos
nesta Casa da Misericórdia.

O freio do seu amanhã está numa instância.
Os orfanatos e hospícios eram duros,
mas ainda mais dura era a intempérie.
A verdadeira caridade dá medo.
É como a poesia: um bom poema,
por mais belo que seja, tem de ser cruel.
Não há mais nada. A poesia é agora
a última casa da misericórdia.

Joan Margarit
“Casa da Misericórdia” (tradução de Rita Custódio e Alex Tarradellas), Ovni, 2009. p.33.


Joan Margarit i Consarnau 🇪🇸 (1938 – 2021) nasceu em Sanaüja, na Espanha, e foi um poeta, arquitecto e catedrático da Universidade Politècnica de Catalunya. Recebeu o Prêmio Miguel de Cervantes em 2019. Entre seus principais trabalhos, estão Misteriosament feliç (2008) e Novas cartas a um jovem poeta (2009).


Composição inspirada na ilustração de MJLF do conto ” A Maria Lionça” In: “Contos da Montanha” de Miguel Torga, técnica mista s/ papel, 30×21cm, 1995